Crônicas dos Campos Gerais: ‘Sons da minha rua’
Publicado: 10/03/2021, 11:40
Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, Professora aposentada, Ponta Grossa,
produzido no âmbito do projeto Crônica dos Campos Gerais
Pela manhã arredo as cortinas, abro a janela e deixo entrar a claridade e
o calor aconchegante do sol que embeleza este dia. O céu está azul, as
nuvens formam figuras cujos contornos se parecem a uma ovelha, mãos juntas
em oração... Observo como se desfazem e se transformam. Admiro os campos
que enchem a paisagem de verde, bem ao longe, no horizonte, campos que se
estendem além do casario do bairro chegando próximo a Carambeí.
Na casa da frente o vai e vem começa cedo com os adultos saindo para
o trabalho e os jovens para o colégio. Permanecem em seu posto somente os
dois cachorros policiais, guardiões do patrimônio, a latir para tudo o que passa
na rua. Os alunos do Polivalente começam a transitar, um a um ou em grupos
falantes, provocando os cachorros, fazendo-os pular no gradil e a latir mais
fortemente. Na jardineira da janela, os gerânios coloridos, com seus galhos
trapezistas, adornam a fachada da casa e reforçam a aparência de lar, de
família. Um rapaz corta a grama da casa ao lado e uma goiabeira assiste
silenciosa. Por uns minutos a calma se instala. Eu me distraio com o bordado
de ponto cruz que estou fazendo e esqueço da vida.
Passa um caminhão com megafone oferecendo gás, um vendedor de
panos de prato toca a campainha: — Seis por deiz real, dona! — Eu agradeço
mas não compro. Pessoas conversam em direção ao ponto de ônibus. Vão ao
trabalho, às compras... Da esquina vem uma moto. É o carteiro que chega de
casa em casa entregando a correspondência que diminui a cada dia,
substituída pela tecnologia. Os cachorros latem até o término de suas entregas.
Mais uma vez me concentro no trabalho quando sou içada dos meus
pensamentos por uma buzina. Esse som, como se fosse um relógio, me lembra
que são onze horas da manhã. É o pai da vizinha que chega todos os dias,
exatamente no mesmo horário. Brinca com os cães que já o conhecem e entra
falando alto: — O que tem de boia hoje?
Os estudantes retornam após o término das aulas e parecem mais
animados que nunca. Riem, se empurram, alguns casais de mãos dadas num
namorico de adolescentes, e os cães latem deixando à mostra seus perigosos
caninos. Aquele som não os incomoda, até parece que é divertido.
As horas passam céleres seguindo seu curso inexorável e o sol vai
adormecendo. Os ponteiros do relógio não se detêm. O amanhã é uma
incógnita mas os sons de hoje possivelmente se repetirão amanhã como um
relógio. Cerro as cortinas e os cães latem.
Texto escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais.