Crônica: “Quando morremos, morrem as coisas?” | aRede
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Crônica: “Quando morremos, morrem as coisas?”

Texto de autoria de Juliano Lima Schualtz, estudante de História da UEPG

Juliano Lima Schualtz, é estudante de História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e militante do Coletivo Negro Ilê Aiyê, na mesma universidade. Desenvolve estudos sobre Literatura Brasileira Contemporânea.
Juliano Lima Schualtz, é estudante de História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e militante do Coletivo Negro Ilê Aiyê, na mesma universidade. Desenvolve estudos sobre Literatura Brasileira Contemporânea. -

Da Redação

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Texto de autoria de Juliano Lima Schualtz, estudante de História da UEPG

Os velórios em cidade pequena sempre seguem uma ritualística simples. Mesmo o morto em vida sendo pouco aplaudido, quando defunto já se torna celebridade ao ser anunciado na rádio local. Os familiares próximos e distantes, os amigos próximos e distantes, os inimigos próximos e distantes, as viúvas próximas e distantes, os cães próximos e distantes, os bêbados próximos e distantes. Todos se coagulam na comunhão sepulcral que antecede o enterro.

Nos transcorrer do velório, as estórias com o falecido ganham vida. É o momento de rememoração e fabulação de uma vida que pulsa nos entes próximos. Alguns chovem na pupila e outros para não chover resolvem rir com alguns causos: palavra-guarda-chuva. De qualquer modo, é sempre um momento de inquietação e luto, cada qual à sua maneira.

Enterrar os mortos é essencial para a manutenção sentimental dos vivos. Visualizar o defunto contornado pelas flores e sua face pálida inscrevendo a presença da ausência na fotografia eterna e precisa antes das pás de terra cobrirem o caixão. Depois, bem, depois cada defunto é machadiano do seu jeito.

Mas...recordo de um relato... estipulado por um morador de Tibagi, contou-me assim:

“Quando o avô do Afonso veio a fenecer, ele me relatou o último momento com o senhor Isaías. Ambos não se viam com constância, afetos mutilados e vidas em encruzilhada. Contou-me que o velho cão passou a latir convulsivamente lamentando a ausência carinhosa das mãos rugosas de Isaías. As unhas do gato caíram, arranhou muito a cadeira que sentava o Isaías. As cordas da viola: rebentaram. Só as unhas de Isaías podiam tocá-las. A garrafa de aguardente: secou. Só os lábios pardos de Isaías bebericavam aquele líquido ardido. A gaita de boca perdeu a sonoridade, apenas o sopro de Isaías conseguia tragar som daquele instrumento. As flores e mandiocas não mais cresceram, as flores recusavam outras pupilas e as mandiocas negavam outros músculos. No último momento, Isaías, de pele crepuscular: anoiteceu.”

Texto produzido no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais.

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